FONTE: JOTA
Tema foi votado em repercussão geral e deve orientar ao menos 50 mil processos com o mesmo assunto, segundo CNJ
- FLÁVIA MAIA
- BRASÍLIA
Crédito: Marcos Santos/USP Imagens
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que os acordos e convenções coletivas trabalhistas se sobrepõem à legislação existente, desde que o negociado não afaste direitos trabalhistas previstos na Constituição, como salário, seguro-desemprego, licença-maternidade e FGTS. O placar foi de 7 a 2, com abstenção de Luiz Fux, que se declarou impedido, e ausência de Ricardo Lewandowski.
Do mesmo modo, outros direitos que estão em leis ordinárias também podem ser retirados via negociação entre empregados e empregadores, como horas-extras, intervalo intrajornada, horário de almoço, negociação dos percentuais de adicionais de insalubridade e periculosidade.
Foi fixada a seguinte tese em sede de repercussão geral no tema 1046: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”
A decisão do STF vai orientar todo o Judiciário nacional. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há ao menos 50.346 processos desse tipo aguardando a decisão do STF.
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes. Para ele, a prevalência das convenções coletivas é constitucional e a vontade das partes deve ser respeitada, uma vez que a negociação evidencia melhor a realidade dos fatos.
Mendes afastou a ideia de que os trabalhadores saem prejudicados, uma vez que as convenções e acordos seguem procedimento próprio, definido por lei e com chancela sindical obrigatória. O relator ainda ressaltou que a Constituição Federal outorga ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
Durante a leitura do voto, Mendes afirmou que o acordado sobre o legislado foi observado pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) quando foram inseridos os artigos 611-A e 611-B à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e adotou-se posicionamento no sentido da prevalência do negociado sobre o legislado, listando expressamente hipóteses de tal ocorrência.
“Uma resposta mais efetiva sobre os limites da negociabilidade coletiva deve ser buscada na própria jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo em torno do tema”, disse o relator.
Acompanharam Gilmar Mendes os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber divergiram do relator. Os dois entenderam que a prevalência do negociado pelo legislado pode retirar direitos dos trabalhadores. Além disso, o acordo não poderia ser privilegiado frente à vontade do legislador. “Não se admite a mera renúncia a direitos fundamentais sociais, nem se pode negociar, individual ou coletivamente o dever de contínuo e progressivo desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema protetivo das relações de trabalho. A Constituição de 1988 garante as condições sociais dos trabalhadores e, portanto, veda, de forma sistemática e inequívoca, prejuízos resultantes de negociação coletiva que contrariem tal sistema”, votou Fachin.
Acordado e legislado
O Supremo enfrentou a questão do acordado e legislado em duas ações: a ADPF 381 e no recurso extraordinário com repercussão geral (ARE 1121633). Os julgamentos apresentaram resultados diferentes, mas é a conclusão do recurso com repercussão geral que deverá ser seguida pelo Judiciário Nacional, ou seja, no sentido de que o negociado prevalece sobre o legislado em questões trabalhistas. A arguição restringia-se às decisões da Justiça do Trabalho sobre convenções entre motoristas e transportadoras, em ações antes de 2012. Tanto que os ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso votaram de forma distintas nos dois processos devido às peculiaridades do caso concreto da ADPF.
No processo afetado em repercussão geral e julgado nesta quinta, a Mineração Serra Grande S.A., uma mineradora de Goiás, recorreu de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT18), que fixou que a empresa não poderia ter suprimido o pagamento de horas in itinere – tempo de deslocamento entre a casa do trabalhador até a empresa – por acordo coletivo, porque a mineradora está situada em local de difícil acesso e o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão.
O processo chegou ao Supremo e, quando foi reconhecida, por unanimidade, a repercussão geral do caso, a tese foi expandida a outros direitos negociados em acordo coletivo. Assim, o plenário do STF decidiu a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe qualquer direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.
FLÁVIA MAIA – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Faz graduação em Direito no IDP. Email: flavia.maia@jota.info