FONTE: CORREIRO BRASILIENSE
Com retração de 8% da agropecuária, atividade econômica cai 0,1% no 3º trimestre, mesmo com alta do consumo das famílias. Governo minimiza resultado, mas analistas reduzem projeções para os próximos meses
A economia brasileira parou. O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,1% no terceiro trimestre, conforme dados divulgados, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após queda de 0,4% nos três meses anteriores. Com isso, o país entrou num cenário de recessão técnica — quando há dois trimestres consecutivos de PIB negativo. O dado do segundo trimestre era de queda de 0,1%, mas foi revisado pelo IBGE.
O resultado do PIB brasileiro foi um dos piores do mundo e as projeções mais recentes indicam que o país não deverá crescer, neste ano, acima de 5% como prevê o ministro da Economia, Paulo Guedes. Uma nova onda de revisão das estimativas dos analistas está em curso, e algumas estão abaixo de 4,5%, o que indica uma variação próxima de zero, na melhor das hipóteses no quarto trimestre. “Diversos fatores contribuem para essa revisão negativa. Destacam-se os desarranjos macroeconômicos interno e externo e a incerteza sobre a nova variante ômicron do novo coronavírus”, avaliou Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon.
O Itaú Unibanco prevê alta de 0,1% no PIB do último trimestre, mas o impacto da nova variante não está nesse cenário base, segundo Luka Barbosa, economista-sênior da instituição financeira. Segundo ele, não se pode descartar uma queda do PIB no quarto trimestre, apesar dos avanços na vacinação. “É um risco negativo em relação ao nosso cenário. Esse vírus é bastante difícil de prever”, afirmou. Para 2022, o banco projeta queda de 0,5% no PIB, principalmente “por conta do impacto dos juros altos sobre os setores sensíveis ao crédito, como o comércio e a indústria”.
Ao comentar os números do IBGE, o ministro Paulo Guedes minimizou o quadro de recessão técnica e voltou a afirmar que a economia está decolando. “A arrecadação está muito forte, o que mostra que o Brasil está decolando de novo”, disse, ontem, em evento do setor aeroportuário. Ele ainda criticou as projeções pessimistas e afirmou que é “conversa fiada” dizer que há descontrole fiscal.
Conforme os dados do IBGE não é possível ver decolagem do PIB e, sim, um processo de retomada desigual. A alta de 1,1% em serviços, que tem um peso de 70% no PIB, por exemplo, não foi suficiente para compensar o tombo de 8% da produção agrícola e a falta de crescimento da indústria no trimestre. Além disso, desde o segundo trimestre, o PIB se mantém abaixo do patamar dos últimos três meses de 2019, e a atividade econômica ainda está em um nível 3,9% inferior ao pico histórico atingido no início de 2014.
“Enquanto o segmento de serviços de tecnologia da informação já está acima do patamar pré-pandemia, os serviços prestados às famílias, que dependem de atendimento presencial, ainda se encontram 16% abaixo do nível antes da crise”, comparou a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. Ela afirmou que o PIB teve um desempenho “medíocre”, e não vê cenário econômico favorável para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no ano eleitoral, mesmo com a aprovação do Auxílio Brasil de R$ 400. “O benefício não deve ajudar no aumento da popularidade de Bolsonaro, porque todos os elementos econômicos que pesam na avaliação do governo terão resultado negativo”, resumiu.
Risco de estagflação
Analistas reconhecem que o PIB está andando de lado, mas não entram em consenso sobre um possível cenário de estagflação — o pior dos mundos, porque o PIB não cresce, o desemprego é elevado e a inflação, também. Fernando Honorato, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, disse que o quadro é preocupante, mas descartou estagflação, devido às expectativas de recuo da inflação em 2022. “O resultado do PIB não tem o que ser comemorado. A economia entrou em recessão técnica, mas ainda há crescimento no consumo das famílias e no setor de serviços, que teve um desempenho morno”, afirmou.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, por sua vez, avaliou que o cenário de já é de estagflação e poderá se estender até 2022. “Com a revisão da queda do PIB do segundo trimestre de 0,1% para 0,4%, a percepção é de uma leve recessão ou, mais precisamente, de uma economia estagnada. Mas quando consideramos que a inflação deverá chegar a 10% no fim do ano, podemos dizer que o país passa por um processo claro de estagflação”, frisou. Ele reduziu de 0,2% para 0,1% a estimativa para o PIB do quarto trimestre e manteve a previsão de crescimento zero no ano que vem.
Na avaliação de Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultores, o dado mais relevante é a falta de crescimento. “Há uma perda de fôlego do PIB, que está andando de lado, apesar do crescimento em serviços e do avanço da vacinação”, afirmou. A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembrou que, apesar de a equipe econômica tentar usar a taxa de investimento em relação ao PIB como como um fator positivo, a evolução desse indicador é negativa há dois trimestres e a tendência é de que continue em queda por conta da alta dos juros.
Apesar de prever crescimento de 0,7% em 2022, Silvia Matos estima queda de 0,3% no PIB cíclico — que representa cerca de 70% das atividades relacionadas ao ciclo de política monetária. “Excluindo esses segmentos, apenas 30% das atividades devem crescer no ano que vem. Logo, teremos um falso positivo, se ele ocorrer”, explicou.
Brasil fica para trás
A queda de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre deixou o Brasil entre os países com os piores desempenhos econômicos do mundo, conforme dados da Austin Rating. O Brasil ficou na 26ª em um ranking de 33 nações, liderado pela Arábia Saudita, que registrou alta de 5,8% no período julho-setembro em comparação aos três meses anteriores. Colômbia e Chile vieram na sequência, com crescimento de 5,7% e 4,9%, respectivamente.
O desempenho do PIB brasileiro ficou abaixo da média geral, de 1,6%, e da média dos países do Brics, grupo de emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, de 0,4%. Na listagem da agência de classificação de risco, os dois últimos colocados, Índia e Rússia, não informaram o dado na margem — apenas o interanual, de 8,4% e 4,3%, respectivamente. Como as taxas desses países foram bem melhores que as do Brasil, de 4% na comparação com o mesmo trimestre de 2020, o país deveria ter ficado na 28ª classificação, ou seja, nada a comemorar.
“O que percebemos é que, a cada trimestre, há mudanças de posição entre os líderes e os últimos colocados, mas o Brasil está sempre nas últimas colocações ou do meio da tabela para baixo. Isso faz muito sentido quando olhamos crescimento médio do país na última década, que é muito pequeno”, destacou o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. Ele lembrou que, entre 2011 e 2020, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 0,7%. “Um país que cresce pouco vai sempre ficar embaixo da tabela. E o pior é que isso se deve mais a problemas domésticos”, lamentou.
Problemas domésticos
Agostini observou que a pandemia da covid-19 impactou o PIB global, porém o Brasil está sendo afetado o tempo todo. “Parece que o país sempre tem uma crise doméstica para enfrentar, além de outros fatores que empurram o PIB para baixo, como o desarranjo fiscal, que se arrasta há muito tempo”, destacou.
As contas públicas estão no vermelho desde 2014 e, pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), considerando o cenário pessimista que, atualmente, é o mais provável, não haverá superavit primário até 2030, pelo menos.
Entre os países da América Latina listados no ranking, apenas o México teve desempenho pior do que o Brasil, registrando queda de 0,2% no PIB de julho a setembro deste ano.
O levantamento da Austin mostra ainda que, em 2021, o PIB do Brasil, em valor, deverá ficar na 13ª posição no ranking global, considerando as 15 maiores economias do planeta.