Empreendimento do Exército vai investir em Pernambuco R$ 1,7 bilhão e gerar empregos, mas ambientalistas advertem que a obra vai desmatar mais de 90 hectares de Mata Atlântica e pode prejudicar o abastecimento de água na Região Metropolitana do Recife.
*Por Rafael Dantas
FONTE: REVISTA ALGO MAIS
Pernambuco é o destino de um investimento bilionário a ser executado pelo Exército Brasileiro na próxima década: a ESA (Escola de Sargentos das Armas). A estimativa é de um aporte na ordem de R$ 1,8 bilhão para construção do complexo educacional que deve reunir 6,2 mil pessoas, entre alunos e profissionais. Mesmo com a parceria do Governo do Estado no empreendimento e de boas expectativas de dinamismo econômico, há um impasse relevante acerca do impacto ambiental, visto que o projeto prevê o desmatamento de 94 hectares de Mata Atlântica, dentro da Área de Proteção Ambiental Beberibe-Aldeia. Alternativas ainda estão em discussão, propostas pela sociedade civil.
O anúncio do projeto da ESA foi feito ainda em 2021, quando o Alto Comando do Exército Brasileiro decidiu reunir as 16 escolas de formação espalhadas pelo País em um único estabelecimento. Entre as condicionantes, estava a necessidade de espaço para a construção do complexo educacional e um campo de instrução associado para utilizar nas atividades de formação. O curso a ser oferecido é uma formação superior tecnológica, com duração de dois anos.
O general Joarez Alves Pereira explica que os recursos desse empreendimento são garantidos pelo próprio Exército, a partir da alienação de um terreno que a instituição possui em Brasília, no Distrito Federal. “Como é uma área urbana de valor elevado, isso permitiu ao Exército patrocinar o investimento a ser feito na Escola, que será um grande indutor de desenvolvimento nessa região”, afirmou.
Além do aporte do Exército (R$ 1,7 bilhão), houve um acordo de contrapartida do Governo do Estado de promover melhorias demandadas pelo empreendimento. Obras de mobilidade para o acesso à escola, para abastecimento de água e eletricidade e conexão de esgoto, entre outros investimentos urbanos que totalizaram cerca de R$ 110 milhões de recursos públicos de Pernambuco.

Segundo o general Joarez Alves Pereira, os recursos necessários para a construção do empreendimento são garantidos pelo próprio Exército, a partir da alienação de um terreno que a instituição possui em Brasília, no Distrito Federal
EFEITOS ECONÔMICOS ESTIMADOS
A opção foi por Pernambuco, onde a instituição tem as operações do CIMNC (Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti). Nas justificativas técnicas para a escolha do local, apresentadas em 2023, estão listados aspectos, como o fato de o Exército Brasileiro já possuir o terreno no Recife e ter o referido campo de instrução contíguo à área de instalação da escola. No entanto, foram listados fatores que deixaram os ambientalistas em alerta, como a estimativa de que a construção da escola “tenderá a desenvolver uma nova região urbana próximo ao bairro de Aldeia” e que a “futura construção do Arco Metropolitano poderá favorecer o acesso à nova Escola”.
A passagem do Arco Metropolitano pela APA Aldeia-Beberibe já é um dos debates mais tensos no Estado devido aos impactos ambientais previstos pelos especialistas no restante de Mata Atlântica que ainda não foi derrubada em Pernambuco. O próprio desenvolvimento da região urbana em Aldeia, que já vive uma dinâmica social complexa, levanta alguns alertas.
A estimativa do general Joarez acerca dos efeitos positivos de desenvolvimento para a região está sob a injeção de uma massa salarial de R$ 250 milhões por ano com a folha de pagamento dos militares. É um efeito renda importante para o crescimento econômico de qualquer município brasileiro. “Além disso, a previsão é de que as obras durem efetivamente 10 anos. Por ocasião da construção, devemos gerar 12 mil empregos diretos e 17 mil indiretos”, afirmou.
EMBATES AMBIENTAIS E NOVAS ALTERNATIVAS

Além do prédio da escola, o complexo inclui ainda um Batalhão de Comando e Serviço e o estabelecimento de Vilas Militares para a moradia dos estudantes, dos profissionais e das suas famílias nas proximidades. O projeto inicial previa a supressão de 188 hectares da Mata Atlântica.
Após os debates técnicos e os questionamentos legais das legislações ambientais na região, a área do empreendimento prevista para desmatamento reduziu para 94 hectares, para se conformar à Lei 9860/86, instituída pelo ex-governador Gustavo Krause, que delimitou as áreas de proteção dos mananciais de interesse da Região Metropolitana do Recife. Além da redução de terreno, houve uma primeira realocação de onde seriam instalados os prédios.
Os questionamentos ambientais do projeto, levantados principalmente pelo Fórum Socioambiental de Aldeia e por pesquisadores das universidades pernambucanas, baseiam-se no fato de que a APA Aldeia Beberibe preserva um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica em Pernambuco e abriga a Bacia do Rio Catucá, principal afluente do Reservatório de Botafogo. O comprometimento do equilíbrio hídrico na região colocaria em risco o abastecimento de quatro municípios da Região Metropolitana do Recife que dependem dessa reserva hídrica.
Além disso, o local integra o chamado Centro de Endemismo Pernambuco (CEP). É uma das áreas do Nordeste que apresenta altíssimo valor para a conservação da biodiversidade, com espécies de fauna e flora que ocorrem exclusivamente na região, alvo de teses e artigos científicos.

“Praticamente a Mata Atlântica de Pernambuco sumiu. Sobrou muito pouco, apenas um conjunto de fragmentos. Nossa luta é tentar manter essa região preservada. E, dentro dessa área, existe o maior bloco de Mata Atlântica ao norte do São Francisco, que é exatamente a área do Exército”, afirmou Hebert Tejo, presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia e mestre em gestão ambiental.
A organização tem apresentado alternativas ao projeto, com objetivo de reduzir ao máximo o impacto ambiental do empreendimento. Hebert relembra que o projeto inicial previa construções em cima do Rio Catucá, em áreas de nascentes, além de algumas regiões de fortes depressões da reserva.
A partir dos debates sobre os impactos ambientais, o projeto inicial começou a ser modificado. A versão apresentada em março de 2023 (com 188 hectares de área) já passou por várias atualizações, que resultaram em projetos que foram reduzindo sua área construtiva e, até, retirando parte dos prédios da área de mata.
O Fórum Socioambiental de Aldeia realizou um estudo amplo para identificar novas locações e sugerir outras possibilidades de instalação da escola, considerando um menor impacto do empreendimento. Ao todo, o grupo apresentou seis propostas. “Desde o princípio, nós apontamos alternativas locacionais para o projeto. Estudamos 1.117 hectares, com levantamentos de relevo. Apresentamos três alternativas, cada uma com uma variação”, explicou Hebert Tejo. Ele afirmou que o Exército negou todas.

“Desde o princípio, nós apontamos alternativas locacionais para o projeto. Estudamos 1.117 hectares, com levantamentos de relevo. Apresentamos três alternativas, cada uma com uma variação, mas o Exército negou todas.” Hebert Tejo
Algumas das alternativas colocadas em discussão, por exemplo, aproximavam a Escola de Sargentos do município de Araçoiaba que é, justamente, o mais pobre da Região Metropolitana e seria o maior beneficiado com o dinamismo econômico do empreendimento.
Atualmente, o Exército Brasileiro considera um projeto com 94 hectares de área desmatada, tendo aceitado deslocar as vilas militares para fora da área pertencente à instituição. O local seria um terreno sem Mata Atlântica a ser desapropriado pelo Governo do Estado, do outro lado da via.
O General Joarez destacou que há ressalvas a essa proposta por parte do Exército Brasileiro com a solução encontrada em parceria com o Governo do Estado, pela dificuldade de promover indenização e desapropriações por parte do poder público. Um processo que pode durar muitos anos. Mas, afirmou que a instituição trabalha atualmente com essa alternativa.
“Não temos mais margem de mudança. Tivemos que alterar o nosso projeto. Assumimos certo grau de risco ao retirarmos muitas instalações, vilas militares, que estavam dentro de nossa área, para área que não é nossa em acordo com Governo do Estado, que tem o compromisso de desapropriar áreas das vilas. Isso nos fez jogar a construção das vilas militares para a terceira fase de obras até ser definida a desapropriação”, afirmou o general. Ele estima que o início da supressão da mata deve começar em 2026 e as obras propriamente ditas em 2027, com previsão de conclusão em 2034. Em recente visita ao Estado, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Richard Fernandez Nunes, chegou a prever o início das obras de terraplanagem ainda em 2025.
O general Joarez afirmou que o Exército está trabalhando ao lado do Governo do Estado para “chegar a um consenso de supressão mínima” e “respeitar o que está previsto na legislação ambiental”. Há, no entanto, um impasse quanto à interpretação da legislação que é outro ponto de tensão.
O Fórum Socioambiental de Aldeia ressalta que o Código Florestal determina uma faixa de preservação mínima de 100 metros das bordas do tabuleiro. Ou seja, diz respeito à faixa de transição entre os terrenos elevados dos tabuleiros costeiros e as áreas mais baixas, como planícies e vales. Trata-se do ponto de ruptura entre o terreno plano e o início da declividade da área de morro.
O principal objetivo desse distanciamento, além de preservar a floresta e a biodiversidade, é manter a vegetação para proteger as encostas da erosão e evitar o assoreamento dos rios que percorrem o vale. De acordo com Tejo, o Exército adota uma compreensão diferente, prevendo uma margem menor. A questão tem grande probabilidade de ser resolvida apenas judicialmente.
Hebert Tejo tem reafirmado que o posicionamento do Fórum Socioambiental de Aldeia não é contrário à instalação da Escola de Sargentos, mas tem investido na construção de alternativas que reduzam significativamente o impacto no meio ambiente e que promovam uma melhor alternativa de compensação das possíveis áreas suprimidas. Ele considera que já existem muitos estudos acerca do valor ambiental da APA Aldeia-Beberibe e também dispõe de um robusto conjunto de legislações que a protegem. Mas considera que esses dados e as definições legais precisam ser consideradas nas tomadas de decisão.
A MEDIAÇÃO DO GOVERNO DO ESTADO
Quem está mediando as discussões do empreendimento por parte do Governo do Estado é a Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha. A secretária Ana Luiza Ferreira explicou que após assumir a gestão, a governadora Raquel Lyra, ciente dos impactos ambientais envolvidos, priorizou a criação de um grupo de trabalho que reúne sociedade civil, academia e representantes do governo e do Exército para aprofundar as discussões sobre o projeto.
Ela ressaltou que foram ao longo dessas reuniões que o Exército apresentou as sucessivas reduções na área de desmatamento prevista. Apesar dos avanços, a secretária afirmou que o governo mantém o diálogo ativo com o objetivo de minimizar ainda mais os impactos ambientais. “Tenho certeza de que, ainda assim, menos de 50% do que era a previsão original de supressão, a gente não pode dizer que é o cenário ideal”, afirmou a Ana Luiza Ferreira. “O Governo do Estado continua comprometido no diálogo junto ao Exército para reduzir o impacto ambiental da Escola de Sargentos”.

“O Governo do Estado continua comprometido no diálogo junto ao Exército para reduzir o impacto ambiental da Escola de Sargentos”. Ana Luiza Ferreira
Uma das polêmicas relacionadas à região é que resultado do estudo que definiu o Mapa do Corredor Ecológico da APA Aldeia/Beberibe não foi anexado ao Decreto Estadual nº 34.692, na ocasião da sua conclusão, em 2018. Ana Luiza Ferreira explicou que o Governo Raquel Lyra, ao analisar a situação, identificou os potenciais conflitos entre projetos estratégicos já previstos anteriormente para o mesmo território (a ESA e o Arco Metropolitano) com o mapa definido para o Corredor Ecológico. Ela explica que a revisão e atualização do mapa terá como principal critério a proteção ambiental.
Questionada sobre o status atual das autorizações ou licenças para a realização das obras do Exército Brasileiro no Estado, Ana Luiza Ferreira afirmou que: “Não existe processo de autorização ou licenciamento no âmbito do Governo do Estado. É uma discussão federal”.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL QUESTIONA O PODER PÚBLICO
Para Sérgio Xavier, coordenador do Fórum de Mudança do Clima, a integração entre os projetos arquitetônicos e os ecossistemas naturais deve ser a base de qualquer iniciativa sustentável, especialmente em um cenário de crise climática. Para o ambientalista, a Escola de Sargentos deveria ser planejada de forma a contribuir para a regeneração da área e não prever hectares de supressão. Ele defende que as construções do Século 21 devem deixar um legado positivo, priorizando a preservação dos recursos naturais.
“As coisas artificiais e produzidas pelos homens, os projetos arquitetônicos e de engenharia precisam se encaixar nos ecossistemas e não o contrário. É uma premissa óbvia da sustentabilidade. É como surfar, não podemos surfar contra a onda. Para pegar a energia da onda, é preciso ir na direção dela”, compara Xavier que dirige o fórum onde é feita a articulação entre a sociedade, o governo e o setor empresarial para enfrentar a crise climática. Segundo ele, o projeto da Escola de Sargentos poderia se adaptar a áreas já desmatadas e ampliar a cobertura vegetal, considerando que a região desempenha um papel fundamental na proteção dos recursos hídricos da Região Metropolitana do Recife.

“As coisas artificiais e produzidas pelos homens, os projetos arquitetônicos e de engenharia precisam se encaixar nos ecossistemas e não o contrário. É uma premissa óbvia da sustentabilidade.” Sérgio Xavier
Quem tem questionado, tanto o Exército, quanto o Governo Federal e o Governo Estadual, sobre o avanço do empreendimento é o ativista ambiental e morador de Aldeia há 12 anos, Milton Tenório. “É surreal acreditar que no Século 21 representantes de instituições públicas apoiem um projeto que, além do desmatamento de 200 mil árvores, expulsando animais já ameaçados de extinção, ainda vão enterrar a nascente do Rio Catucá. Isso vai comprometer o abastecimento de água dos moradores de Olinda, Paulista, Abreu e Lima e Igarassu”.

“É surreal acreditar que no Século 21 representantes de instituições públicas apoiem um projeto que além do desmatamento de 200 mil árvores, expulsando animais ameaçados de extinção, ainda vão enterrar a nascente do Rio Catucá.” Milton Tenório
O ativista ambiental compara o empreendimento, que é desenvolvido pelo poder público, com a iniciativa de preservação da Usina Cucaú, na Mata Sul do Estado. “Enquanto o poder público dá mau exemplo, ao não respeitar o meio ambiente, a iniciativa privada, como a exemplo do Grupo EQM, preserva e cuida de milhares de hectares de Mata Atlântica, mostrando responsabilidade social e ambiental com as próximas gerações. Infelizmente, há um descaso com a APA Aldeia-Beberibe, onde ainda há caça, desmatamento e episódios de queimadas”, declarou Milton.
Ele tem feito protestos em eventos de discussão ambiental e mobilizado apoiadores para a causa. Parlamentares, como Rosa Amorim, e representantes da classe artística, a exemplo do cantor Maciel Melo, já se posicionaram contra o desmatamento na região. A campanha, que conta com o slogan Salve a Apa-Aldeia Beberibe – Para Construir Não Precisa Desmatar, espera mobilizar uma parcela maior da sociedade pernambucana para discutir o projeto e seus impactos.
Por parte da classe política, favorável ao estabelecimento, alguns dos expoentes de Pernambuco são o deputado Renato Antunes, que já promoveu duas audiências públicas para discutir o tema, e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que afirmou que a decisão da construção na área é irreversível.
Diante do impasse entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, a instalação da Escola de Sargentos das Armas em Pernambuco continua a ser alvo de intensos debates. Apesar das reduções na área de desmatamento e das tentativas de mediação do Governo Estadual, a preocupação com os impactos ecológicos permanece, especialmente devido à biodiversidade e aos riscos de abastecimento hídrico da RMR. O desafio, portanto, é encontrar um equilíbrio que permita a viabilização do projeto sem comprometer o patrimônio ambiental, garantindo que as decisões tomadas hoje resultem em um legado sustentável para as futuras gerações.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)