Ministério da Economia listou produtos da Zona Franca de Manaus para atender a decisão de Alexandre de Moraes
CRISTIANE BONFANTI / FONTE: JOTA
BRASÍLIA
Complexo industrial da Zona Franca de Manaus. Crédito: Divulgação/Suframa
A decisão liminar que suspendeu a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pode ter impacto sobre produtos que representam 95% do faturamento da Zona Franca de Manaus, conforme nota técnica produzida pelo Ministério da Economia.
O cálculo foi feito a partir de uma lista produzida pelo governo para atender à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de 6 de maio. A medida cautelar foi concedida na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7153, que questiona os decretos do presidente Jair Bolsonaro que alteraram as alíquotas do IPI.
A proposta do governo foi listar as mercadorias que realmente são produzidas na Zona Franca de Manaus e são representativas para a área. A relação tem desde aparelhos de televisão e celular, passando por motocicletas e relógios de pulso.
Tributaristas ouvidos pelo JOTA explicam que a ideia é que, em relação a esses produtos, seja mantida a decisão que suspendeu a redução do IPI. Caso contrário, se outras regiões tiverem direito à desoneração, a Zona Franca de Manaus poderá perder competitividade na produção dessas mercadorias.
Segundo a nota técnica do ministério, esses produtos estão listados em 60 Nomenclaturas Comuns do Mercosul (NCMs), conforme o sistema de classificação de 2017. Em uma tradução para o sistema de 2022, essas classificações correspondem a 65 NCMs. Essas nomenclaturas são classificadas por códigos e agrupam produtos com características semelhantes. Assim, não é possível saber exatamente quantos produtos há em cada nomenclatura.
Entre as nomenclaturas da lista, a que representa maior faturamento para a Zona Franca de Manaus é a que inclui “outros aparelhos receptores de televisão, a cores (policromo)”. Segundo os dados, a produção dentro dessa nomenclatura representa 23,76% do faturamento da Zona Franca de Manaus e responde por 99,92% do faturamento total dessa NCM em todo o Brasil. Na prática, isso significa que quase a totalidade dos bens dentro dessa nomenclatura é produzida na Zona Franca.
Em seguida, destaca-se o NCM que diz respeito a “outras preparações para elaboração de bebidas”, representando 13,53% do faturamento da Zona Franca de Manaus e 81,43% do faturamento dessa NCM no Brasil. Em terceiro lugar, a nomenclatura “terminais portáteis de telefonia celular”, com percentuais de 13,34% e 41,29%, respectivamente.
“A ideia é que, para essas 41 NCMS, seja mantida a suspensão, porque são as mais significativas em termos de faturamento para a Zona Franca. Se é retirada a suspensão da redução do IPI para essas mercadorias, a Zona Franca de Manaus perde atratividade. Em relação à televisão, por exemplo, se é reduzido o IPI, pode se tornar mais atrativo para outras regiões produzir esse bem”, explica Renata Bardella, sócia de Tributos Indiretos e Legislação Aduaneira do Schneider Pugliese.
Liminar de Moraes sobre IPI na Zona Franca gera insegurança jurídica, diz Economia
Na nota técnica, o Ministério da Economia busca uma solução para atender à decisão de Moraes. O órgão, no entanto, informa que encontrou dificuldades relacionadas à classificação dos produtos e avaliou que a decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes “despertou um problema prático de inteligibilidade, que tem provocado grande insegurança jurídica”.
Um dos desafios encontrados pelo governo é que a decisão liminar suspende os efeitos dos decretos apenas no tocante à redução das alíquotas em relação aos produtos produzidos pelas indústrias da Zona Franca de Manaus que possuem o “Processo Produtivo Básico”, conforme conceito constante do artigo 7º, parágrafo oitavo, alínea “b”, da Lei 8.387/1991. Segundo esse dispositivo, o processo produtivo básico é “o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto”.
Um dos problemas, segundo a nota, é que os processos produtivos básicos incluem tanto os produtos finais industrializados na Zona Franca de Manaus, mas também os insumos que compõem esses produtos.
“Neste caso, conforme a interpretação, poder-se-ia concluir que os insumos dos produtos produzidos em Manaus também estariam sendo alcançados pela decisão”, diz a nota. “Ao se respaldar o Processo Produtivo Básico como critério de identificação dos produtos produzidos na Zona Franca de Manaus, a decisão despertou um problema prático de inteligibilidade, que tem provocado grande insegurança jurídica”, afirma o documento.
O governo afirmou ainda que esse “problema de inteligibilidade” não afeta apenas a atividade de arrecadação do governo federal, “mas as atividades negociais ordinárias da própria indústria”, incluindo o creditamento de IPI, cuja apuração, segundo o governo, pode se tornar “imprevisível”.
“Isso porque o IPI tem a peculiaridade de ser um imposto de apuração complexa, que gera créditos, os quais são lançados escrituralmente pelas próprias empresas que compram da ZFM”, afirma a nota.
O tributarista Ciro Soriano de Oliveira, sócio do escritório Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados, afirma que o levantamento do Ministério da Economia é uma tentativa de cumprir a decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes.
“A decisão não é praticável pela dificuldade de se identificar as mercadorias. O Ministério da Economia está tentando realizar uma tentativa de aproximação, fazendo o máximo para colocar a decisão em prática, mas reconhece que não atinge 100% o seu objetivo”, afirma Soriano.
Para Renata Bardella, do escritório Schneider Pugliese, embora busque operacionalizar a decisão do ministro Alexandre de Moraes, a nota técnica deixa dúvidas, uma vez que não demonstra claramente a base de dados para fazer a listagem nem o corte temporal utilizado.
“Há uma preocupação de que a lista simplifique demais a classificação de modo a operacionalizar a decisão do STF, incluindo produtos que não deveriam, de fato, ser considerados para fins de suspensão da redução, seja pela abrangência da descrição da NCM, seja por não representarem ameaça efetiva à competitividade”, afirma Renata.
Procurado, o Ministério da Economia não comentou a nota técnica.
CRISTIANE BONFANTI – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. Passou pelas redações do Correio Braziliense, O Globo e Valor Econômico. Possui graduação em jornalismo pelo UniCeub, especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Cursa Direito no UniCeub.