FONTE: INFOMONEY 

Por Giovanna Sutto

Associação de Promoção da Equidade Racial lança um novo programa inédito no Brasil para reduzir a desigualdade racial nas empresas

(Unsplash) markus-winkler

SÃO PAULO — A Bolsa de Valores B3, a Anbima, entidade do mercado financeiro, a Febraban, entidade que representa os bancos, e a Fecomercio, entidade de serviços e turismo, anunciam a assinatura de apoio institucional e de compromisso com o Pacto de Promoção da Equidade Racial, cujo objetivo é propor e implementar um novo protocolo ESG com foco na questão racial.

A sigla ESG representa a busca por melhores práticas ambientais, sociais e de governança, e vem ganhando força em várioas aspectos — inclusive no mundo dos investimentos. Na prática, o movimento significa aplicar o dinheiro de maneira responsável, indo além da rentabilidade.

Porém, a empresa se atentar aos pilares ESG também pode significar ter mais rentabilidade, mais confiança do cliente, e ter credibilidade no mercado. Cada vez mais os investidores estão de olho nas práticas que as empresas aplicam no dia a dia.

Adriana Barbosa, CEO da pretaHub e uma dos membros fundadores do Pacto, lembra que a segunda letra da sigla ESG refere-se à ao S de social e à forma como as empresas se relacionam com as pessoas que fazem parte do seu ecossistema.

“Nesse sentido, os principais stakeholders, tais como clientes, colaboradores, fornecedores e a comunidade, que no caso é a sociedade civil, são atores fundamentais para o impacto das empresas. Por isso, as empresas precisam ter ações concretas de equidade racial que transversaliza, os processos de governança, com inclusão de pessoas negras, equiparação de salários entre brancos e negros, promoção de pessoas negras em cargos de liderança, assim como fazer o seu investimento social privado em projetos e programas que apoie a redução da desigualdade”.

Se você quiser saber mais sobre a Adriana e a pretaHub, basta ouvir o episódio 66 do podcast Do Zero Ao Topo, do InfoMoney.

A desigualdade social está profundamente relacionada à questão racial. Segundo dados do IBGE, entre os 10% mais pobres da população brasileira, 78,5% são negros (pretos e pardos) e 20,8% são brancos. Já entre os 10% mais ricos, a situação se inverte: 72,9% são brancos e 24,8% são negros. A ausência de políticas afirmativas de inclusão do negro na economia, o racismo estrutural e a baixa qualidade da educação pública são apontados como fatores causais desses altos índices de desigualdade e da instabilidade social do país.

A associação entende que no Brasil é necessário investir na formação de profissionais negros para que as empresas possam manter, em todos os níveis hierárquicos do seu quadro de colaboradores, um retrato da população na região em que atuam. A dificuldade é ainda maior nos níveis de alta gerência das empresas, com um percentual muito baixo de negros nessas funções.

O que é o Pacto? 

O Pacto de Promoção da Equidade Racial é gerido pela Associação de Promoção da Equidade Racial, uma entidade privada e sem fins lucrativos, composta por vários apoiadores, como as entidades citadas, mas também pessoas físicas, instituições de ensino, assets do mercado financeiro, entre outras empresas.

A associação desenvolveu o projeto durante um ano com um grupo de mais de 140 pessoas, incluindo representantes da comunidade negra, especialistas financeiros e em ESG, acadêmicos, professores, advogados, econometristas, pesquisadores, empresários, profissionais do terceiro setor e líderes de ONGs e entidades.

A ideia do projeto é propor e implementar um novo Protocolo ESG Racial no Brasil com foco na questão racial para trazer o tema para o centro do debate econômico brasileiro.

O Pacto vai incentivar a adoção de ações afirmativas e a realização de investimento sociais voltados à melhoria da qualidade da educação pública e a formação de profissionais negros.

“A desigualdade racial no Brasil é tão extrema que se faz fundamental e urgente o investimento na melhoria da qualidade da educação pública, na formação de profissionais negros e a adoção de ações afirmativas por parte das empresas e indivíduos. Só assim teremos a chance de construir uma sociedade mais justa e equilibrada para as próximas gerações”, diz Luis Stuhlberger, Partner e Gestor da Verde Asset Management, e também integrante dos membros fundadores.

Como funciona?

Gilberto Costa, diretor executivo do Pacto, conta que a missão é tirar as empresas do discurso e orientá-las para que possam transformas as intenções em práticas de fomento na contratação, nos investimentos, na formação e na inclusão de pessoas negras no mercado.

“As empresas hoje enfrentam uma realidade em que precisam se posicionar, há uma demanda do cliente, do investidor, da sociedade para que essa empresa gere valor em toda sua cadeia. Mas ser a protagonista de uma pauta que se entende, não sabe por onde começar é complexo. Por isso, a ideia é que o Pacto funcione como uma orientação sobre o que fazer, por onde começar, como melhorar enquanto empresa igualitária nas questões raciais”, acrescentou Jair Ribeiro, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Pacto de Promoção da Equidade Racial.

O Pacto foi anunciado em julho, e em outubro teve sua assembleia de oficialização.

Costa explica que o Pacto á baseado em quatro pilares centrais: alterar o protocolo ESG e trazer uma luz à questão racial, criação de um índice ESG Racial para mensurar a evolução das empresas, ações afirmativas para incentivar a resolução do gap racial que temos hoje no Brasil; e incentivar o investimento racial, seja por meio da formação técnica de jovens negros, ou investindo no empreendedorismo negro.

“Queremos dar guidance para as empresas quando se trata da inclusão de negros. Vamos tirar a conversa do ambiente de ideais e trazer para o dia a dia das empresas, CEOs, acionistas, sempre de forma mais prática e objetiva. O ESG é crucial, mas é um formato vindo do exterior. Investir no recorte racial é trazer o ESG para a realidade brasileira que vivemos”, diz Costa.

Na prática, as empresas que aderirem ao Pacto vão se comprometer a seguir as orientações do protocolo ESG Racial, bem como adotar práticas que tragam evoluções para dentro da companhia. As empresas serão acompanhadas e avaliadas pelo comitê do Pacto, além de receberem uma certificação anual com um rating, que vai comprovar o nível de engajamento e estado de maturidade em relação à equidade racial.

Nenhuma empresa será obrigada a publicar esse rating e a adesão será voluntária. A promessa é que o Pacto acompanhe de perto a evolução das empresas, bem como fiscalize as empresas que se comprometam a participar.

“No Brasil, com 56% da população negra, as empresas estão muito atrás na promoção da diversidade racial, principalmente quanto às suas posições de liderança. Nesse sentido, para atender à pauta ESG, não basta apenas as empresas brasileiras adotarem ações afirmativas. Há que se investir no enfrentamento do racismo institucional e, ao mesmo tempo, investir na formação de crianças e jovens negros potencializando o investimento do Estado nas redes públicas”, acrescenta Ribeiro.

(Cauê Diniz/ Gilberto Costa e Ana Buchaim)

Ana Buchaim, diretora de Pessoas, Marketing, Comunicação e Sustentabilidade da B3, afirma que a empresa decidiu apoiar a iniciativa porque entende que dois papeis: o de ser a voz do mercado e o de ser uma companhia aberta.

“A B3 como companhia listada e como a casa do mercado financeiro precisa dar o exemplo. Queremos ser uma indutora da equidade racial. Convidamos todas as empresas a fazerem a adesão do Pacto, a se permitirem evoluir e promover uma agenda necessária para o ambiente de negócios e da sociedade. Temos muito a evoluir e sabemos disso, hoje na B3 temos 20% dos funcionários sendo pessoas negras. E queremos melhorar esse índice também”, diz.

“O que vemos são empresas muitas diversas, com graus de maturidade muito diferentes. Algumas grandes empresas já possuem iniciativas, políticas de inclusão racial integradas, metas, etc, enquanto outras empresas ainda não têm experiência e não sabem por onde começar”, disse Marcelo Billi, superintendente de Comunicação, Educação e Certificação da Anbima.

Segundo ele, uma pesquisa interna mostrou que 80% dos associados entendem que a diversidade e promoção de melhores práticas é importante e que deve ser uma das prioridades no negócio.

“Essa já é uma boa notícia, mas precisamos orientar e dar suporte. Entendemos o Pacto como um conjunto de ferramentas muito eficaz para mensurar, dar materialidade à equidade racial. É a primeira iniciativa e que Anbima está apoiando nesse sentido”, acrescentou Billi.

Amaury Oliva, diretor de sustentabilidade da Febraban, entende que ao estabelecer um protocolo para questões raciais no Brasil, o Pacto endereça de forma consistente um tema importante e que o mercado precisa perserguir uma evolução. A iniciativa se soma a outras que endereçam a equidade racial na Federação, como o Censo da Diversidade e o Programa Somamos, que capacita jovens negros e negras para ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho.

Luiz Maia, Coordenador do Comitê ESG da Fecomercio, afirma que a entidade quer ser uma agente de indução da equidade racial. “O papel da empresa deve ser adotar as boas práticas, contratações diversas, mas também propagar o tema entre fornecedor e clientes. As grandes empresas têm um papel importante nesse cenário.”

Apoio da ONU

O Pacto Global da ONU, iniciativa de sustentabilidade corporativa mundial com mais de 16 mil membros em 160 países, anunciou o apoio ao Pacto de Promoção da Equidade Racial.

“O Pacto é uma excelente oportunidade para o mercado brasileiro por mostrar caminhos e estabelecer o Índice de Equilíbrio Racial. Líderes empresariais entenderam que precisam atuar para reverter nosso quadro de profunda desigualdade racial. No entanto, sabem também, que a sociedade está atenta e exige ações efetivas para a promoção da equidade racial. Essas ações devem ser acompanhadas por metas claras”, diz Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU.

“A Rede Brasil do Pacto Global da ONU, a maior ação de sustentabilidade corporativa do mundo lançou em 2021, em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), o Equidade é Prioridade Étnico-Racial, inédito no mundo e que convida as empresas a definirem metas para pessoas desse indicador de diversidade em cargos de liderança. Metas ambiciosas e que geram impacto para a sociedade. É assim que vamos avançar”, finaliza Pereira.

Fábio Alperowitch, residente da Fama Investimentos, também já declarou apoio à iniciativa e entende que a chegada do debate ESG no Brasil não é desprovida de riscos.

“Em um mercado corporativo e financeiro que pouco tem debatido questões ambientais e de direitos humanos, é sintomático que a agenda ESG que aqui aporta tenha predominantemente uma pauta internacional e não local, focando quase que exclusivamente na questão climática e igualdade de gênero e deixando questões brasileiras de lado, como a desigualdade social e a inequidade racial. Neste sentido, a adoção do Pacto não só joga um holofote ao problema expondo o tamanho do abismo racial, como também constrói soluções estimulando ações afirmativas e investimento social na temática racial no intuito de resolver em definitivo um problema histórico fundamental até então pouco combatido no mundo corporativo”.

Quem já apoia?

A adesão ao Pacto é completamente voluntária, não há nenhum tipo de previsão de torná-la obrigatória. De acordo com o time de assessoria do Paco, mais de 140 pessoas físicas e jurídicas apoiam a iniciativa.

Além dos já citados, estão também: a ONG Abraço Campeão, Instituto Península, Itaú Social, KPMG, Natura, PwC, BlackRock, Mauá Investimentos, Universidade Federal do Mato Grosso, FGV, Gerdau, Nubank, Edu Lira (Gerando Falcões); Eduardo Mufarej (RenovaBR), Florian Bartunek (Constellation), Helio Santos (Instituto Brasileiro de Diversidade), Isabella Marinho (Instituto Humanize), Ivanir dos Santos (CEAP-RJ); Jan Karsten (Julius Baer); José Roberto Marinho (Globo); José Vicente (Zumbi dos Palmares); Juliano Seabra (Banco Mundial); Kellen Julio (Rede Globo); Laio Santos (XP Inc./Rico);  Marcelo Medeiros (Alpargatas); Rachel Maia (RM Consulting); Rachel Maia (RM Consulting); Tatiana Figueiras (Instituto Ayrton Senna); Willian Reis (Afro Reggae), entre outros nomes e instituições que estão cooperando seja pela propagação do Pacto, seja incentivando a iniciativa.

Costa explica que a associação está resolvendo os últimos trâmites burocráticos e que ainda em novembro já poderá começar atuar com seu próprio CNPJ. “A partir disso as empresas poderão oficialmente aderir ao Pacto e começar a mensurar seus respectivos impactos para a equidade racial”, diz.

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