Ex-ministro Armando Monteiro dia que é preciso buscar alternativas ara a Previdência. E isso deverá ser problema para Lula ou ooutro que vença

Márcio Didier / FONTE: ME – MOVIMENTO ECONÔMICO

Ex-ministro Armando Monteiro Neto fez uma análise sobre as questões econômicas e políticas do Brasil Foto: Jéssica Lima
Ex-ministro Armando Monteiro Neto fez análise sobre questões econômicas e políticas do Brasil Foto: Jéssica Lima

Experiente, com passagens no Legislativo, Executivo e iniciativa privada, o ex-ministro e ex-senador Armando Monteiro Neto, apesar de considerar que o Brasil passa por um momento “relativamente bom na economia”, se mostra preocupado com a situação a médio prazo no País. Aponta alguns fatores para justificar a sua preocupação, sendo o principal deles a questão da Previdência, que, somada à rigidez do orçamento, que pode levar o Brasil, em 2030, 2032, a ficar sem espaço para o investimento público e até para o custeio do Estado brasileiro.

“Independentemente de quem venha a ser o presidente o Brasil (em 2026), ele terá um encontro marcado com essa questão”, destaca Armando. Avaliando que o País vive um semipresidencialismo, com o Congresso Nacional ganhando cada vez mais espaço, Armando considera que o sistema político “está claramente com problemas”. Em entrevista para o Movimento Econômico, Armando diz ter simpatia pelo Parlamentarismo, por acreditar que ele não produz, em tese, crises que o presidencialismo vive.

Movimento Econômico – O senhor é uma referência na política e na economia, não só em Pernambuco, como no Brasil. Como é que o senhor está vendo o país hoje?

Armando Monteiro Neto – Acho que do ponto de vista de alguns indicadores macroeconômicos, o Brasil tem tido um desempenho razoavelmente bom, isso não significa dizer que não tenhamos problemas que preocupam. Mas, por exemplo, alguns indicadores como mercado de trabalho, o Brasil está um nível de desemprego relativamente baixo, a inflação nós temos até agora um cenário benigno, porque o Brasil tá com uma inflação estimada de menos de 4%. Isso para os padrões daqui, vamos dizer da América do Sul, é algo que não se pode deixar de exaltar. Agora, temos crescido pouco. E existem alguns problemas que preocupam. O que significa dizer que essa situação do presente, ela pode se deteriorar a médio prazo. Nós temos um equilíbrio frágil. Vai fazer quase 15 anos, que o Brasil tem déficits primários.

Por que a situação fiscal é delicada? Porque o gasto público no Brasil é muito rígido, não só por essa estrutura de vinculação dos gastos que engessa o orçamento, como também porque os gastos são obrigatórios, especialmente com Previdência, que tem crescido de forma muito preocupante. Mesmo com a reforma que fizemos em 2019, 2020, estão crescendo porque a população está envelhecendo. A gente tem cada vez mais o número maior de beneficiários e um número menor de contribuintes. Essa relação vai ficando difícil. Segundo porque o mercado de trabalho mudou muito. A chamada uberização do trabalho. O contribuinte da Previdência em tese é o que tem vínculo formal de emprego. Isso significa também que você tem um problema desse lado. Então o que preocupa na situação fiscal são esses gastos previdenciários, que vão se elevando mais e mais e comprimindo muito espaço para os gastos de investimentos.

ME – Mas há outros gastos obrigatórios, além da Previdência…

Armando – Há alguns que são politicamente difíceis, sensíveis. Por exemplo, essa estrutura de vinculação. Você tem percentuais sobre receita. Tem que gastar em educação X por cento sobre a receita corrente líquida, tem que gastar em saúde X por cento sobre a receita tributária e tal. Ora, o fato de você fazer essa vinculação significa que você tem uma propensão a gastar mais e não necessariamente a gastar melhor. Isso vai criando uma situação em que, com a mudança demográfica, a taxa de natalidade caiu. Por outro lado, os gastos com saúde tendem a aumentar com o envelhecimento da população e a população vivendo mais. Então o que acontece com essa rigidez do orçamento? Você não tem margem para administrar e manejar esses gastos de forma mais adequada. Essa rigidez precisa ser revista.

Outro ponto sensível são os benefícios previdenciários que estão vinculado de novo ao salário mínimo. Estamos com uma política que considero legítima e justa de elevação do valor do salário mínimo e termo reais. Isso significa que o crescimento dos gastos previdenciários está chegando a um ponto que coloca o sistema em xeque. Você dirá bom, e que outro sistema pode ser criado para evitar que o aposentado possam não ter uma perda do seu poder aquisitivo e que possam ser condenados a viver numa situação pior, tem que se encontrar um outro mecanismo. Mas essa trajetória da Previdência vai ficar insustentável. Já existem projeções que indicam que se nada for feito, e esse é o ponto de preocupação, o Brasil vai ficar em 2030, 2032 sem espaço no orçamento para investimento público e até para o custeio do estado brasileiro. Então, talvez não se coloque agora no horizonte do primeiro mandato do presidente Lula, mas está, independente de quem venha a ser o presidente o Brasil, com um encontro marcado com essa questão.

ME – O senhor fala da reforma de previdência 2019, que era outra realidade, pois não tinha questão da uberização, por exemplo, e que já não tem tanto efeito prático. Junto a isso há a questão política, de excesso de instabilidade política. O Brasil não consegue ter um período de tranquilidade. Então seria uma grande reforma nacional?

Armando – Acho que existe uma expressão que é chamada economia política. A economia ela não prescinde da política. E a política precisa olhar a economia. Há soluções como essas que eu disse que o país tem que enfrentar que transcendem a uma decisão técnica e que são, na essência, política e que nos conduz à necessidade de um novo pacto. O País precisa fazer um novo contrato social por assim dizer. Isso é obra da política, a política que tem que construir isso. Eu considero um desafio imenso

Aí é que entra esse quadro de muita polarização, de muita radicalização, que ainda existe no ambiente político, que preocupa porque as agendas tendem a ser confundidas nessa guerra. Aí quem adota uma agenda que aponte para o bom senso, essa agenda é impugnada pelo outro grupo. Ou seja, não existe uma agenda para qual possa haver o mínimo de convergência, em meio a esse imenso dissenso e essa radicalização que acontece o Congresso Nacional. E aí eu vejo o congresso com um papel fundamental, exatamente porque o Congresso, o Legislativo, vem ganhando nesse arranjo de poder cada vez mais força, eu acho que o Congresso é o grande ambiente em que se pode promover uma um mínimo de concertação sobre uma agenda que seja de interesse do país.

ME – Mas com esse Congresso… Muitos políticos costumam falar, em off, que o bom para o Congresso é um presidente fraco, porque eles terminam tendo um poder maior de decisão, de influência nas tomadas de decisão do país. O Congresso está preparado para essa missão?

Armando – Não acho que seja bom ter um presidente fraco. Agora, o problema é que o Brasil tem um presidencialismo que está claramente com problemas. Na minha visão, o Brasil está vivendo já um semipresidencialismo. Porque o Congresso vem ocupando cada vez mais espaço, por exemplo, na gestão do Orçamento, na destinação de recursos. Porque, em condições normais, quem se elege para o Executivo define as prioridades e formula as políticas públicas. O Congresso vota o Orçamento dentro das prioridades definidas pelo Executivo. O que está acontecendo? Esta forma que o Congresso vem ocupando espaço na gestão do orçamento faz com que os gastos que estão sendo produzidos com as emendas parlamentares não se relacionam de forma adequada com as políticas que são definidas pelo Governo Federal, então o gasto tende a ser feito de forma fragmentada, sem uma visão mais estruturante, sem se vincular programas mais amplos. Então, você perde na qualidade do gasto e você tira do Poder Executivo, vamos dizer, a capacidade de governar no sentido de poder realizar a política ou o programa que foi de certo modo avalizado nas urnas. Então veja que esse sistema, ele está em xeque.

ME – Mas não há excesso de protagonismo do Congresso Nacional, não?

Armando – Nesse sistema semipresidencialista, o congresso tem que assumir maiores responsabilidades. Percebo que, às vezes, esse sistema produz distorções para o bem e para o mal. Para o mal, essa visão fragmentada da aplicação das emendas. Outro que vejo com preocupação é o fato de que algumas matérias estão sendo discutidas e aprovadas no Congresso, e que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal. No semipresidencialismo, o Congresso cumpre um papel mais efetivo. Isso o obriga a ter corresponsabilidades do ponto de vista governativo, inclusive no que diz respeito à responsabilidade fiscal.

Agora, eu disse o lado que preocupa, mas tem um lado bom. O Congresso tem tido um papel nessa agenda reformista, como a aprovação da Reforma Tributária. Acho que na agenda econômica, não estritamente fiscal, o Congresso tem garantido avanço na agenda microeconômica na melhoria dos marcos regulatórios, na autonomia do Banco Central. Foi um grande ganho na minha avaliação. O Marco do Saneamento, a Reforma Tributária foi uma grande conquista, esse crédito tem que ser dado ao Congresso. Outra coisa importante também. O congresso em função do seu próprio perfil, ele exerce uma função de contrapeso em relação a algumas agendas regressivas, que, às vezes, o Executivo e algumas figuras do Governo Lula querem implementar. Por exemplo se o Congresso não tivesse uma posição vamos dizer pró-reforma e mais liberal na visão Econômica, possivelmente nós já teríamos revista autonomia do Banco Central. Nós já teríamos até mesmo, em algumas reformas que foram promovidas, patrocinado o movimento que contrarreforma, no caso do caso da trabalhista, no caso da questão regulatória. Essa coisa do Banco Central. A Lei das Estatais, que evidentemente foi um avanço, na minha avaliação.

ME – Mas há um enfraquecimento do Executivo…

Armando – Há um aspecto que nós estamos falando, nesse novo rearranjo do tal equilíbrio dos poderes ou desequilíbrio. O ponto que preocupa é que, na medida em que o Congresso foi se afirmando mais como Poder, o Executivo, enfraquecido, ao que parece promove uma aliança com o Judiciário para equilibrar esse jogo. E aí o judiciário, a meu ver de forma inadequada, tem assumido em alguns casos uma posição que parece muito politizada. Um exemplo é na questão da Lei das Estatais. Uma liminar que foi concedida em caráter monocrático permitiu que você pudesse ter violado a Lei das Estatais. E quando o Supremo pôde, de forma colegiada, decidir sobre essa questão, decidiu reconhecendo que a Lei das Estatais era constitucional e estabelecendo uma ressalva curiosa: reconhecemos que ela é constitucional, mas quem já está nas suas funções, mesmo ferindo a lei, deve ficar, porque tem que modular os efeitos da decisão.

Ao analisar a política no País, Armando Neto acredita que o Brasil vive um semipresidencialismo Foto Jéssica Lima

Então, a gente assiste o momento em que há um tensionamento, há, por assim dizer, um movimento que demonstra que o sistema político tá meio em xeque. Aí olhando para o futuro, que novo arranjo institucional se pode esperar? O presidencialismo vai adquirir as suas prerrogativas plenamente? O Congresso vai aceitar perder algumas prerrogativas que conquistou? Ou nós vamos, a partir dessa coisa híbrida, desse semipresidencialismo. Poder, por exemplo, imaginar que o Brasil pudesse buscar uma fórmula superior a meu ver de modelo de governança política?

ME – Mas já não estaria muito próximo do parlamentarismo?

Armando – Devo dizer que me agrada muito o parlamentarismo, porque acho que é a melhor forma de você criar um modelo em que o Congresso tenha corresponsabilidade, do ponto de vista governativo, e o modelo que não tem a rigidez do presidencialismo, que não produz, em tese, crises que o presidencialismo vive. O Brasil teve presidentes ‘impichados’, o Brasil teve traumas e rupturas, que, no sistema parlamentar, ele não é traumático. Você desconstitui os governos, dentro da própria lógica do sistema, e forma novos governos. Eu tô colocando algo que pode parecer algo muito distante. Até reconheço que, especialmente aqui na América do Sul, por conta da nossa herança cultural, essa figura do presidente da República é muito forte.

Eu não digo que seja fácil, mas eu tenho a impressão que a dificuldade que antevejo para que o haja, no modelo atual, um novo rearranjo, vai colocar, inexoravelmente, a necessidade de discutir um novo modelo. Agora, para o parlamentarismo, é preciso ter um sistema partidário, que fosse mais rígido, mais organizado e menos fragmentados. Discutir, por exemplo, o voto distrital, distrital misto, que é mais compatível com essa coisa. Ou seja, exigiria algumas precondições. Então isso tudo nos coloca necessidade de discutir uma reforma política ampla no Brasil.

ME – A reforma tributária, muita gente acha que não andou o suficiente, mas pelo menos era o pontapé. O senhor vê dessa forma?

Armando – É muito importante essa que nós estamos promovendo, porque trata da tributação sobre o consumo. O sistema tributário brasileiro se apoia, sobretudo, na tributação do consumo é todo esse sistema que coloca os impostos dentro dos preços e todos os bens e serviços que a gente consome. Esse sistema é que causa os maiores problemas hoje no sistema tributário. Por quê? Porque ele é complexo. Ele é extremamente complexo, ficou disfuncional. Ele impõe ao empresário e ao agente econômico muitas dificuldades. Ele compromete a competitividade da produção nacional. Ou seja, o produto nacional tem desvantagem em relação ao produto importado. Quando se fala em desindustrialização, o Brasil tá vivendo um processo de desindustrialização por causa também do sistema tributário, que termina privilegiando a importação, em detrimento da produção Nacional. Ele é injusto, esse sistema tributação do consumo. Por quê? Porque os bens consumidos pela maioria da população são muito mais tributados do que os serviços da Elite brasileira. Então essa reforma é importante porque ela vai distribuir essa carga setorial de tal modo que os bens vão ser desonerados e alguns serviços vão ser onerados. Isso é um imperativo de maior Justiça distributiva.

Se pudesse traduzir, a tributação que o cidadão de baixa renda paga ao adquirir um eletrodoméstico é muito mais alta do que a que a elite paga quando paga, por exemplo, numa academia de ginástica. O que é que esse reforma que tá aí vai produzir? Primeiro, desonera cesta básica. Outro ponto: ela simplifica muito o sistema para o pequeno empreendedor, para quem produz, para quem faz a economia no seu conjunto. Você tem uma imensa simplificação. Outra coisa importante dela: ela promove mais Justiça do ponto de vista do equilíbrio regional, porque vai criar a chamada tributação no destino. A arrecadação vai ficar com o estado que consome e não com o estado que produz como é hoje, quando você compra um bem que vem de São Paulo grande parte da tributação fica lá.

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