A sistematização do Direito Financeiro e Orçamentário na Constituição Federal foi alterada por treze emendas constitucionais.

FONTE: CONTÁBEIS

O Direito Financeiro e Orçamentário sob novos regramentos constitucionais e o reflexo no federalismo brasileiroFoto de Skylar Kang no Pexels

Este artigo tem como objetivo apresentar o Direito Financeiro e Orçamentário sob os novos regramentos constitucionais que, em parte, não são replicáveis e aplicáveis aos demais entes subnacionais no escopo do federalismo brasileiro.

Direito financeiro, segundo Harada (2012), “é o ramo do Direito Público que estuda a atividade financeira do Estado sob o ponto de vista jurídico”. Essa atividade financeira engloba a obtenção de receita, a aplicação de despesas e a criação de crédito público, além do planejamento e da gestão dos recursos mediante o orçamento público.

A Constituição Federal de 1988 aduz, no art. 24, incisos I e II, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário, financeiro, orçamento, dentre outras matérias ali especificadas. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

Para além das atividades financeiras do estado, a constituição federal reserva vasto regramento ao orçamento, o que aqui denominamos de regime constitucional do orçamento público. Assim, consideramos o direito orçamentário como objeto específico de estudo, ainda que este não seja ramo autônomo do Direito.

Com esse entendimento, pontuo que o regime constitucional do orçamento público não é absorvido e aplicado integralmente pelos entes subnacionais em suas leis maiores, afastando a simetria constitucional, até mesmo em razão da autonomia conferida na própria Constituição Federal.

O denominado princípio da simetria, conforme Liziero (2019), caracteriza-se pela uniformização das normas jurídicas e da estruturação e atribuições dos poderes legislativo, executivo e judiciários dos estados. Nesta concepção, o princípio da simetria constitucional, seria essa uniformização constitucional.

Perceba-se, por exemplo, que se todo o disciplinamento constante da Constituição Federal, inserido no decorrer do tempo, fosse aplicado integralmente e nos mesmos termos aos entes subnacionais, poderia tal regramento interferir negativamente na gestão das finanças públicas locais.

Exemplo do acima mencionado consiste na aplicação de percentuais sobre a receita corrente líquida (RCL) para reserva de recursos às emendas parlamentares individuais ao orçamento. A Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional 86/2015, estabelece que as emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% da RCL, sendo que a metade será destinada a ações e serviços públicos de saúde.

Do acima exposto, trago alguns questionamentos: i) seria razoável, legal e constitucional que a regra acima (dotação orçamentária das emendas individuais), deve ser aplicada nos mesmos termos aos demais entes subnacionais, pelo princípio da simetria? ii) qual seria o impacto para as finanças públicas locais decorrente de tais medidas?

São questões que ficam para reflexão, tanto quanto ao Direito Constitucional, quanto ao Direito Financeiro e Orçamentário, com reflexos nas finanças públicas em termos mais gerais.     

Quanto à arquitetura das regras constitucionais, a tributação e o orçamento compõem parte específica na Carta Magna (Título VI), composto de dois capítulos: i) do sistema tributário nacional e, ii) das finanças públicas.

Especificamente quanto ao segundo capítulo (das finanças públicas), encontramos duas seções, assim subdivididas: i) normas gerais, e ii) dos orçamentos.

O poder constituinte derivado reformador, até o presente ano de 2021, inseriu treze novos regramentos, mediante Emendas Constitucionais (19/1998, 20/1998, 40/2003, 85/2015, 86/2015, 95/2016, 100/2019, 102/2019, 103/2019, 105/2019, 106/2020, 108/2020, e 109/2021), com impacto direto nos temas que envolvem as finanças públicas em âmbito constitucional.

Neste cenário de reformas, é notório perceber que a arquitetura constitucional, quanto ao Direito Financeiro e Orçamentário, impôs regramentos os mais variados, de aplicação geral ou específica para a federação.

A seguir, apresento quadro resumo das emendas constitucionais que introduziram modificações em regras de finanças públicas, com suas ementas, e a quais entes da federação são aplicáveis, a título de visão panorâmica do conteúdo:

  • EC 19/1988 (04/06/1988): modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividade a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. [toda a federação];
  • EC 20/1998 (15/12/1998): modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências [toda a federação];
  • EC 40/2003 (29/05/2003): altera o inciso V do art. 163 e o art. 192 da Constituição Federal, e o caput do art. 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. [toda a federação];
  • EC 85/2015 (26/02/2015): altera e adiciona dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação. [toda a federação];
  • EC 86/2015 (17/03/2015): altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. [ênfase no orçamento federal];
  • EC 95/2016 (15/12/2016): altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. [ênfase no orçamento federal];
  • EC 100/2019 (26/06/2019): altera os arts. 165 e 166 da Constituição Federal para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal. [ênfase no orçamento federal];
  • EC 102/2019 (26/09/2019): dá nova redação ao art. 20 da Constituição Federal e altera o art. 165 da Constituição Federal e o art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. [toda a federação, mas impacto no orçamento federal];
  • EC 103/2019 (12/11/2019): altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. [orçamento federal, com impacto aos demais entes subnacionais];
  • EC 105/2019 (12/12/2019): acrescenta o art. 166-A à Constituição Federal, para autorizar a transferência de recursos federais a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios mediante emendas ao projeto de lei orçamentária anua. [orçamento federal];
  • EC 106/2020 (07/05/2020): institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente da pandemia. [orçamento federal, com impacto nos demais entes subnacionais];
  • EC 108/2020 (26/08/2020): altera a Constituição Federal para estabelecer critérios de distribuição da cota municipal do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) , para disciplinar a disponibilização de dados contábeis pelos entes federados, para tratar do planejamento na ordem social e para dispor sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; e dá outras providências. [toda a federação];
  • EC 109/2021 (15/03/2021): altera os arts. 29-A, 37, 49, 84, 163, 165, 167, 168 e 169 da Constituição Federal e os arts. 101 e 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; acrescenta à Constituição Federal os arts. 164-A, 167-A, 167-B, 167-C, 167-D, 167-E e 167-G; revoga dispositivos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e institui regras transitórias sobre redução de benefícios tributários; desvincula parcialmente o superávit financeiro dos fundos públicos; e suspende condicionalidades para realização de despesas com concessão de auxílio emergencial residual para enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19. [toda a federação].

Em conclusão, os temas de Direito Financeiro e Orçamentário ganharam relevantes modificações em sede constitucional, diante da realidade das finanças públicas em âmbito global e nacional, e com impactos variados na federação brasileira.

Diante do exposto, considero que o estudo sistemático do tema deve ser aprofundado por todos aqueles interessados no funcionamento harmônico das engrenagens normativas que tratam das finanças públicas, em especial o Direito Financeiro e Orçamentário.CONBCON 2021: Participe do nosso Congresso

Renato Santos Chaves

Publicado porRENATO SANTOS CHAVES

Renato Santos Chaves. (www.contas.cnt.br) Bacharel em Ciências Contábeis. Bacharel em Direito. Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU)

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